quinta-feira, 22 de setembro de 2011

E quando a herança a ser deixada aos filhos é uma empresa?

Este é um dilema vivido por muitas pessoas que dedicaram uma importante parte de suas vidas à implantação e consolidação de uma empresa. O empresário já está numa idade onde sua vontade e suas forças já indicam que é hora de parar. Todavia, a empresa não pode parar e precisa de alguém que dê continuidade. Muitas vezes, os herdeiros diretos não têm o mínimo interesse em dar essa continuidade e quando têm, não estão preparados para tal tarefa.

Os pais tendem sempre a acreditar que os filhos têm condições para dar continuidade à empresa. E se tiverem uma desconfiança de que os herdeiros não estão preparados, acreditam que, com o passar do tempo, irão adquirir a experiência e a maturidade para dar à empresa o mesmo que eles sempre deram.

Pela minha experiência e pelo que tenho visto em todos esses anos que atuo na área da consultoria, penso que as pessoas que têm amor pelas suas empresas, pois dedicaram importantes partes de suas vidas às mesmas, precisam iniciar um processo de sucessão alguns anos antes de chegarem à conclusão de que não têm mais condições de dar continuidade às mesmas.

Sugiro um roteiro de perguntas, observações e estudos que podem ser feitos para que nenhuma decisão precipitada ou mal conduzida possa causar o fim da empresa antes mesmo do fim da vida de seus fundadores. Pois há casos de pessoas que repassam suas empresas aos herdeiros em vida e se retiram de sua gestão por diversas razões, incluindo doença e/ou incapacidade de continuar administrando a empresa. Em alguns casos, vêem a empresa definhar e até quebrar nas mãos de seus herdeiros. Ou quando chegam ao final da vida têm a consciência que a empresa, a qual dedicou tanto de sua vida, não terá vida longa por muito tempo.

Dentre as mais importantes perguntas, observações e estudos a serem feitos, destaco os seguintes:

a) A empresa tem para os seus fundadores, diretores e proprietários, uma importância única e, nenhuma outra pessoa, nem os filhos, darão a importância em suas vidas à empresa, tal qual os fundadores. Principalmente quando a empresa for familiar e os fundadores forem o casal, pais dos herdeiros. Nesse caso, ocorre o primeiro choque. Os pais imaginam que, para os filhos, a empresa ocupará em suas vidas o mesmo papel que ocupou nas suas vidas.
Isso ocorre em casos muito raros. Muitas vezes, as empresas surgem como necessidade para a exploração de um negócio cujos fundadores têm amor e afinidade. Os filhos são de outra geração e, muitas vezes, optam por profissões que não têm nada a ver com o negócio da empresa. Por exemplo: o pai tem uma indústria de móveis porque iniciou a vida como marceneiro e o filho escolhe ser advogado, médico ou dentista. Profissões da moda, geralmente.

b) Muitas vezes, os filhos escolhem essas profissões bem diferentes do negócio explorado pela empresa. A certa altura, quando conseguem se formar, pois muitos desistem no meio da jornada, voltam para a empresa, por não conseguirem se firmar no mercado de trabalho, dentro da profissão escolhida. Imediatamente os pais dão a eles um cargo de diretor. Vejam bem: primeiro eles escolhem uma profissão diferente da profissão dos pais. Nada contra, mas já é um sinal de pouca afinidade pelo trabalho dos pais. Segundo, fracassam no desempenho da profissão, quando não fracassam ainda durante a sua formação acadêmica. Terceiro, como última opção voltam para a empresa. Quarto, como prêmio por tudo isso, os pais dão lhes um cargo de diretor, para o qual eles não tem nenhum preparo. Quero deixar bem claro que cada um faz o que bem quer com o que lhe pertence. O que observo é que esta é uma opção muito pouco indicada.

Se o filho fracassou em sua escolha, não tem nenhum problema. Se quer voltar para a empresa, igualmente não tem nenhum problema e pode ser muito bom, inclusive. Todavia, deverá ser bem recebido e colocado a desempenhar, inicialmente, a função mais simples e mais ao final do topo da hierarquia. À medida que for aprendendo e merecendo, poderá e deverá ser promovido, chegando, um dia, até ao cargo de diretor. Sempre lembrando que a remuneração deve ser equivalente ao cargo exercido.
Se os pais quiserem dar a ele algo a mais, que fique bem claro que é um presente e que não está diretamente ligado ao seu cargo na empresa.

c) A empresa, em alguns casos, representa uma significativa parte do patrimônio a ser deixado para os herdeiros. E os fundadores não estão mais em condições ou com interesse em continuar à frente de sua gestão. Se os herdeiros não estão preparados para dar continuidade à mesma, algumas perguntas podem ser feitas e, dependendo de suas respostas, decisões estratégicas podem ser tomadas. Se os filhos ainda não estão preparados para administrá-la, um ou mais deles têm efetivas condições e interesse em um dia chegar a essa condição? Se a resposta for não, só restam duas alternativas: vender a empresa enquanto ela está no auge de suas atividades e lucratividade e tem bom valor de mercado e liquidez ou terceirizar a sua gestão. Se a resposta for sim, pode-se terceirizar a gestão pelo período necessário até que os filhos completem seu aprendizado e se credenciem para assumir a sua gestão.

d) É importante lembrar que durante o processo de avaliação da capacidade dos herdeiros em dar continuidade à empresa, sejam avaliadas duas capacidades: 1) a capacidade dos herdeiros de cuidar da empresa; 2) a capacidade dos herdeiros de cuidar do negócio ou dos negócios explorados pela empresa. Existe uma grande diferença entre cuidar da empresa e cuidar dos negócios explorados ou a serem explorados pela empresa. A tarefa de cuidar da empresa consiste em uma tarefa de administrador e pode muito bem ser desenvolvida somente por funcionários treinados e preparados na academia e na prática do dia-a-dia. Já a tarefa de cuidar do negócio, não se aprende somente na academia e na prática. Essa depende de uma capacidade com a qual a pessoa nasce ou não. E se nascer com essa capacidade, poderá desenvolvê-la ao longo do tempo. Agora partir do zero, é muito raro.

e) Essa é a grande observação e questionamento a ser feito pelos fundadores em relação aos seus herdeiros. Meus herdeiros estão preparados para cuidar da empresa ou do negócio também? Enquanto tudo está definido pelos fundadores como, por exemplo, qual produto produzir e/ou comercializar, qual método de produção utilizar, qual a tecnologia a ser utilizada, como financiar o negócio, é bem mais fácil administrar. O problema ocorre quando existe a necessidade de fazer grandes mudanças nos rumos da empresa. E muitas vezes, ninguém se apercebe disso. Somente o empresário do negócio, com sua imensa capacidade de analisar o cenário no qual a empresa está envolvida, percebe primeiro a necessidade e inicia a mudança. Somente após sua conclusão ou durante o processo, as outras pessoas se dão conta do quanto aquela medida foi capaz de garantir à empresa a sua continuidade. Esse é o grande desafio de quem herda uma empresa. Não somente administrá-la, mas sim, fazê-la crescer e permanecer no mercado. E essa é uma tarefa difícil de ser terceirizada. Alguém com essa capacidade irá montar sua própria empresa e poderá fazer isso para terceiros, porém por um pequeno período de tempo de sua vida.

Em muitos casos, recomenda-se à empresa que está passando por essa situação, contar com a ajuda de uma empresa de consultoria especializada, por exemplo, na gestão de empresas. Fazer todos esses estudos precisa de uma isenção para a qual os fundadores não estão preparados. A relação entre pais e filhos é muito emocional e nesses casos precisa, para o bem de todos, ser o mais racional possível.

Às vezes, é melhor vender a empresa e distribuir aos filhos a herança em espécie, condicionando a aplicação do dinheiro ao perfil de cada herdeiro. Para alguns herdeiros, os pais podem dar a sua parte em dinheiro que eles irão investir bem e nas atividades para as quais têm afinidade. Em outros casos, os pais tem que dar a herança condicionada a certas regras e imposições para impedir que os mesmos percam tudo em um espaço de tempo muito curto.

Pense nisso e boa semana.

Autor: Alfredo Fonceca Peris
Economista e sócio-diretor da Peris Consultoria Empresarial