sábado, 20 de agosto de 2011

Como poupar quando a renda representa ser insuficiente até para as necessidades básicas da família

Dentre os vários questionamentos que me são feitos, um em especial tem chamado muito minha atenção. Hoje mesmo alguém questionou: você sempre fala, em suas entrevistas, que é para consumir de forma consciente, evitar o endividamento e o pagamento de juros e, entre outros conselhos, poupar uma parte da renda. Eu disse: “Sim, realmente é necessário fazer tudo isso e ainda poupar uma parte da renda auferida para os momentos de dificuldades e de despesas extras bem como para o futuro.” Essa mesma pessoa continuou, dizendo: “Mas como fazer para poupar quando o ganho mal dá para as despesas mais básicas da família?” Respondi que, realmente, esse é um grande desafio, todavia não é motivo para impedimentos à poupança. Isso porque não poupamos somente dinheiro vivo, em espécie. A poupança, em termos familiares e visando o futuro, pode ser feita de diversas formas.

Aproveitei que tinha um certo tempo e continuei a conversa fazendo uma observação que creio, seja útil para muitas famílias que devem, tal qual esse meu interlocutor, se fazer a mesma pergunta quando ouvem alguém dizendo que é preciso e estratégico poupar uma parte da renda.

Dei a ele o exemplo de uma família recém formada, com filhos ainda pequenos e que a renda conseguida pelos pais, uma vez que os filhos ainda não trabalham, sequer seja suficiente para as necessidades básicas priorizadas pela família. E segui minhas observações dizendo que, em primeiro lugar, é necessário aprender a trabalhar sob a orientação de um orçamento. Esse é um hábito ainda pouco utilizado pelas famílias, porém extremamente útil para o planejamento das despesas em função da renda.

Em segundo lugar, disse a ele que, a partir do total da renda auferida, é necessário, na confecção do orçamento, elencar aqueles itens que a família não consegue, de forma alguma, evitar o gasto. Dentre esses, está a alimentação. Pessoas bem alimentadas produzem mais e ficam menos doentes. Todavia, disse a ele que a compra de alimentos efetuados de forma planejada também é capaz de gerar economia e aumentar a satisfação da família.

Em terceiro lugar, vem os gastos com moradia, no caso particular da família que necessita alugar um imóvel para sua residência. O aluguel é um dinheiro gasto que não retorna, no futuro, todavia garante, no presente, uma das condições mais básicas da família que é a habitação. E a casa é sempre o porto seguro de qualquer indivíduo ou família.

Em quarto lugar, vem a saúde. Alimentando-se corretamente e utilizando de forma planejada o sistema público de saúde, procurando as informações necessárias para saber quais serviços tem disponíveis, onde e em que condições, é possível minimizar os gastos com saúde, porém algum recurso sempre será necessário despender.

Em quinto lugar, vêm os gastos com transportes. O uso de transportes públicos, de bicicletas e motocicletas, são capazes de reduzir muito esses gastos, além de, no caso da ida ao trabalho caminhando ou de bicicleta se praticar um excelente exercício físico que promove saúde física e mental, por conseqüência, mais bem estar.

Em sexto lugar vem vestuário e calçados. Comprando de forma planejada, procurando produtos em promoção e evitando compras por impulso é possível reduzir drasticamente os gastos com esse item.

Em sétimo lugar, vem a manutenção da casa, aí inclusos os gastos com higiene e limpeza. Igualmente são despesas inevitáveis, porém que podem ser reduzidas com as práticas do consumo consciente e com o gosto por pequenas tarefas domésticas e por pequenos consertos que evitam muitas despesas desnecessárias.

Em oitavo e último lugar, vêm o lazer. É necessário, porém pode ter seu gasto reduzido caso a família tenha, por exemplo, o hábito de se manter atualizada e saber quais os eventos públicos e gratuitos disponíveis em sua cidade. Além de aproveitar o próprio convívio familiar para transformá-lo em momentos de lazer, de aprendizado e de aproximação entre os membros da família.

Esses gastos são todos inevitáveis, todavia podem ser bem administrados seguindo o hábito de confeccionar o orçamento familiar com a presença de todos os membros da família. Essa é uma ferramenta que deve ser confeccionada, discutida, administrada e acompanhada por toda a família. Nesse momento ele me interrompeu e questionou: “Mas se até esse momento, mesmo com o uso do orçamento, se chegar à conclusão de que já se consumiu toda a renda? Qual a sobra para a poupança? Ainda assim é possível poupar?”

Além desses gastos, disse a ele, tem-se que dispensar uma parte da renda para os investimentos e, dentre esses, o mais importante é o investimento em educação profissional dos adultos e em educação básica e também profissional para as crianças. E nesse quesito, as famílias de menor nível de renda podem contar com a estrutura pública de ensino, tanto de educação formal, do chamado banco da escola, quanto de educação profissional. Mesmo que a renda seja suficiente só para os gastos de manutenção da família, da casa e, eventualmente, de um automóvel, somente pelo fato dos membros da família estarem estudando, já se estará fazendo uma poupança. Não em dinheiro, porém em capacitação e aprendizado que proporcionará, no futuro, um aumento de renda duradouro mais importante até que uma reserva em dinheiro guardada, por exemplo, em uma caderneta de poupança ou em um imóvel.

A educação se constitui num estoque de riquezas que acompanha seu proprietário em todos os lugares, por toda a vida e nunca pode ser subtraída da pessoa. Além da estrutura pública de ensino profissionalizante, atualmente as empresas estão investindo muito em qualificação profissional para aqueles que têm interesse em se qualificar e crescer profissionalmente. Na maioria das vezes, sem nenhum desembolso de recursos financeiros por parte do empregado.

Além do investimento em educação básica e profissional, disse ao meu interlocutor, você e sua esposa, caso ela também trabalhe, devem ser cuidadosos e exigentes com as empresas para as quais vocês irão trabalhar para ter o total de seus ganhos registrados em folha de pagamento e ter, também, seu Fundo de Garantia por Tempo de Serviço depositado regularmente. Caso sejam autônomos, não deixar de efetuar o recolhimento do INSS, na condição de autônomos, tendo como base pelo menos um salário mínimo e preferencialmente, sobre dois salários mínimos. Tendo o FGTS depositado regularmente e todos os ganhos em folha de pagamento, quando houver dispensa do trabalho, somente as verbas rescisórias proporcionarão ótimas oportunidades para a ocorrência de sobras no orçamento capazes de dar início ou continuidade a uma ação de poupança, em dinheiro, mesmo para quem tem renda corrente igual aos seus gastos de manutenção.

Disse a ele que, mesmo sem a guarda de nenhum recurso sobre a forma de dinheiro ou imóvel, caso a família faça um investimento em educação e cuide de seu futuro por meio do recolhimento do INSS, num intervalo não muito distante, particularmente quando os filhos ingressarem no mercado de trabalho, a família descobrirá que, apesar da baixa renda obtida no início da constituição da família e da impressão de que nada pouparam, acabou por fazer uma das mais importantes e duradouras formas de poupança passível de ser feita.

O histórico profissional e a rede de relacionamentos constituída ao longo da vida, no trabalho, na comunidade e no rol de amizades criadas por meio do convívio com os filhos na escola, na igreja e na comunidade são parte do patrimônio de uma família que também pode ser adquirida com o mínimo desembolso de recursos financeiros. Todos esses itens compõem parte do patrimônio de uma família e que não depende, necessariamente, do nível da renda.

Portanto, mesmo para aqueles indivíduos cujo somatório da renda de sua família possa parecer, no presente, insuficiente para qualquer atitude de poupança, a decisão de uma geração de investir pesado na educação para a vida, na educação para o trabalho e na educação financeira, é capaz de transformar a vida de todos os membros que descenderem dessa família.

Pense nisso com carinho e não se desanime. Poupança combina com mudança de atitude, visão de médio e longo prazo e muita disciplina. E nunca é tarde para começar.

Autor: Alfredo Fonceca Peris
Economista e sócio-diretor da Peris Consultoria Empresarial