terça-feira, 16 de novembro de 2010

Algumas conclusões da reunião do G-20 em Seul, na Coréia

Quando Barack Obama venceu as eleições para a presidência dos EUA, algumas pessoas me perguntaram se sua eleição seria boa para o Brasil e para nós brasileiros. Respondi que para nós era absolutamente indiferente. Com base em qual linha de raciocínio respondi a essa pergunta? Vejamos: à época, independente de quem fosse o presidente dos EUA, ele teria, primeiro, um compromisso enorme com o seu partido, que pretendia ser bem avaliado e vencer as eleições seguintes, começando pelas eleições legislativas, dois anos mais tarde e a eleição presidencial, quatro anos depois. Segundo, teria um compromisso com a população de seu país, que financiou sua campanha e o elegeu. Bem como teria um compromisso enorme com o empresariado de seu país que precisava de crescimento econômico e de geração de novas oportunidades de negócios. Terceiro, teria um compromisso gigantesco com a oposição que não daria trégua a seu governo.

Portanto, atualmente, o presidente dos EUA, bem como o presidente de qualquer outro país, na atual configuração geopolítica mundial, defenderá o seu país e os seus interesses, com todas as forças que puder. Essa defesa poderá beneficiar outros países? Claro que sim. Só que muito mais por conseqüência que por objetivo. Por exemplo: se a economia dos EUA ou da China, que são dois grandes importadores do resto do mundo, estiver indo bem, ajudará muito as economias dos países que exportam para eles. Só que isso como conseqüência do êxito na condução de sua política econômica e não como objetivos.





As dificuldades que o mundo enfrenta atualmente e que foram discutidas no encontro do G-20, em Seul, na semana passada, com pequenos avanços, mostram a necessidade que o Brasil, em particular, tem de corrigir problemas históricos. Para esse encontro o Brasil chegou muito fragilizado. A principal causa disso teve origem no fato do Brasil não ter sido representado, com força máxima, na reunião anterior, ocorrida no Canadá. Alegando problemas internos, por conta das chuvas na Região Nordeste, o presidente Luís Inácio Lula da Silva se ausentou da reunião. O presidente do Banco Central do Brasil, Henrique Meireles, e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, também não compareceram. Essas ausências foram interpretadas pelos outros membros do grupo como um desprestígio do Brasil ao G-20.

Os protagonistas desse encontro foram os EUA e a China e não o Brasil. As entrevistas do presidente Lula e da ministra Dilma Roussef aos jornalistas brasileiros, acusando os EUA de responsáveis pela crise, no velho formato de discurso de líder estudantil dos anos 1980, servem apenas para agradar a opinião pública brasileira composta pela maioria desavisada que acredita em tudo que não lhes faça pensar e que não lhes dê nenhum trabalho e nenhuma dor na consciência, porém está longe de resolver o nosso problema.

Na atual conjuntura econômica internacional a melhor arma para se defender é uma moeda forte. E isso o Brasil está deixando de ter, num processo silencioso e altamente comprometedor. A melhor forma de se defender de práticas como a que se valeu os EUA, encharcando o mundo de dólares, é ter uma moeda forte. Com o objetivo de ganhar as eleições a qualquer custo, o governo atual abriu mão da austeridade fiscal, apesar dos recordes de arrecadação, obtido nos últimos anos. Dos atuais 36% do PIB arrecadados pelo governo, nas esferas federal, estadual e municipal, somente 2% são destinados a investimentos. Portanto, 34% são gastos. Em 2010, o governo deverá arrecadar 1,4 trilhões de reais – 800 bilhões pelo governo federal, 400 bilhões pelos estados e 200 bilhões pelos governos municipais - e deverá gastar 1,5 trilhões. Isso implicará num déficit de 100 bilhões de reais, que deverá ser coberto com novos empréstimos.


A necessidade de tomada de novos empréstimos, além de aumentar a dívida pública que já está na casa dos 42% do PIB, alimenta o círculo vicioso das altas taxas de juros no país. Isso implica diminuição da poupança nacional e redução dos investimentos. Com redução de investimentos, diminuímos nossa capacidade de atendimento às necessidades de consumo interno e da formação de excedentes para exportação. Se diminuirmos nossas exportações, diminuiremos nossa capacidade de importação, fundamentais para aumentar o grau de abertura da economia ao exterior e para manter o equilíbrio interno, principalmente o combate à inflação.

Atualmente, a autoridade monetária brasileira não consegue diminuir a taxa de juros. Por que? Se diminuísse a taxa de juros, aumentaria o consumo, tanto de bens para investimentos quanto para consumo e dificultaria o financiamento do setor público. Como conseqüência, aumentariam os preços, gerando inflação. Se o excedente de bens demandados, for suprido com importações, teremos um aumento ainda maior do nosso déficit em transações correntes que, em 2010, deve atingir a casa dos 36 bilhões de dólares. Como os investimentos foram pequenos, nos últimos anos, a resposta do setor produtivo não será suficiente.

Por isso, a principal lição que os últimos dois encontros do G-20 deram é que os governos, não só o governo do Brasil, precisam, de forma urgente, é combater os déficits públicos, aumentar os superávits primários para a diminuição da dívida já existente, possibilitando redução das taxas de juros e aumento da poupança nacional e, por conseqüência, os investimentos sem necessidade de recorrer à poupança externa. Os déficits públicos estão corroendo as moedas e, por conseguinte, estão colocando o mundo em crises constantes. À medida que o governo reduzir seus déficits, por redução de gastos e não por pressão para aumentar a arrecadação, criará condições para que os bens demandados para investimentos sejam produzidos em lugar dos bens destinados ao consumo. Ou que as importações sejam de bens para investimento e de insumos e não de bens finais para consumo. Isso não pressionará o setor produtivo e, consequentemente, implicará em crescimento sem geração de inflação e sem necessidade de recorrer à importação e à tomada de empréstimos externos. No médio e no longo prazo, possibilitará aumento de consumo das famílias e gastos do governo sem provocar desequilíbrios internos e nem externos e sem gerar inflação. A isso chamamos crescimento sustentável.

Quanto mais o mundo se globaliza, mais os países usam de práticas protecionistas. Parece e é um paradoxo. Em quais setores o Brasil precisa investir mais para se fortalecer nessa atual conjuntura? Em primeiro lugar, precisamos mudar nossa filosofia. Passar da “filosofia da cobrança do direito” para a “filosofia do cumprimento do dever”. Enquanto essa filosofia não mudar, qualquer tentativa de avanço rumo a uma sociedade mais justa, estará comprometida. Tarefa árdua que nos custará algumas gerações. E como fazer isso: Primeiro, investir em educação. Segundo, investir pesado em saúde e infraestrutura urbana, contemplando habitação, saneamento básico e transporte público. Em terceiro lugar, investir na geração de energia, de preferência, energia limpa. Qualquer ritmo acelerado de crescimento esbarrará na falta de energia elétrica e gás natural. O investimento na infra-estrutura de transportes também será necessário e imprescindível.

Fazendo uma análise mais profunda, concluímos que, no Brasil, está quase tudo por ser feito. E o começo de tudo está na mudança de filosofia, já comentada. Somente ela poderá mudar o papel do Estado e transforma-lo no grande agente da mudança. Enquanto isso não acontecer, estaremos dando voltas na periferia e jamais chegaremos ao centro do problema, fazendo uma analogia a uma cidade. Se quisermos ir ao centro de uma cidade, por difícil e longe que seja, temos de saber onde é e o que temos que fazer. Planejar e executar. Não adianta ficar dando voltas na periferia por que é mais fácil e mais cômodo.

Autor: Alfredo Fonceca Peris